Durante ~20 anos, entre os anos 1990 e 2010, o computador de mesa foi o símbolo da modernidade nos lares brasileiros, pré-requisito para futuros promissores e única porta de entrada da internet. Disputava espaço com a TV ou, nas casas maiores, ganhava um cômodo próprio, onde os residentes faziam trabalhos escolares, pesquisas triviais, jogavam e […]
<p>Durante ~20 anos, entre os anos 1990 e 2010, o computador de mesa foi o símbolo da modernidade nos lares brasileiros, pré-requisito para futuros promissores e única porta de entrada da internet. Disputava espaço com a TV ou, nas casas maiores, ganhava um cômodo próprio, onde os residentes faziam trabalhos escolares, pesquisas triviais, jogavam e matavam o tempo em sites primitivos de uma web onde o texto escrito reinava.</p>
<p>Era o “computador da família”.</p>
<p><span id="more-59763"></span>Do que recordo, esse dispositivo hoje anacrônico chegou à maioria dos lares em duas grandes ondas. A primeira, nos anos 1990, precipitada pela abertura do setor, alvo de políticas protecionistas até o final dos anos 1980, inundado pelo mercado cinza paraguaio, de onde caixas bege pesadas e barulhentas eram vendidas a preços mais convidativos.</p>
<p>A segunda aconteceu foi interna, reflexo direto do Computador para Todos, programa de inclusão digital <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5542.htm">lançado pelo governo federal em 2005</a> que barateou e deu crédito para a aquisição de computadores “legalizados”. O período coincidiu com o que muitos (jovens idosos, convenhamos) creditam ter sido a época de ouro da internet brasileira, pautada por blogs, MSN Messenger, um YouTube incipiente e amador e, em cima disso tudo, o Orkut servindo de cola social.</p>
<p>***</p>
<p>Estamos na “era pós-PC”, termo que define com precisão o atropelo que o computador levou do celular, o verdadeiro computador universal.</p>
<p>A <a href="https://data.cetic.br/explore/?pesquisa_id=1&unidade=Usuários">pesquisa TIC Domicílios</a>, do Cetic, dá uma boa dimensão dessa dinâmica: em 2023, 99% dos brasileiros acessava a internet pelo celular, e apenas 41,5% o fazia por um computador.</p>
<p>(O home office pós-pandemia deve ter ajudado o computador, que bateu no fundo do poço em 2021, alcançando 35,7% dos brasileiros. Já naquele ano, a penetração do uso do celular para acesso à internet era de 99%.)</p>
<p>Sempre que vou visitar os meus pais, tenho um vislumbre do futuro do passado quando passo pelo computador da família, que ainda existe lá.</p>
<figure id="attachment_59769" aria-describedby="caption-attachment-59769" style="width: 1440px" class="wp-caption alignnone"><img data-recalc-dims="1" loading="lazy" decoding="async" src="https://i0.wp.com/manualdousuario.net/wp-content/uploads/2025/09/eu-computador-familia-2003.jpg?resize=1440%2C853&ssl=1" alt="Rapaz jovem, de perfil, mexendo em um computador antigo, com monitor CRT em um móvel de madeira, com a postura totalmente errada." width="1440" height="853" class="size-full wp-image-59769" /><figcaption id="caption-attachment-59769" class="wp-caption-text">Eu, hoje: “O que eu fiz para merecer essa dor nas costas!?” Eu, 22 anos atrás, mexendo no PC.</figcaption></figure>
<p>É um diferente de quando o computador da família era o meu também. Não sei as especificações técnicas do atual, mas a julgar pela idade e pela falta de interesse de quem o usa em aplicações avançadas que demandariam grandes gastos, deve ser um modelo intermediário de uns 15 anos atrás. Ele ainda usa um disco rígido (HDD)!</p>
<p>Todo mundo tem celular. Nas minhas visitas, sempre levo o meu notebook. Diante desse cenário, cabe perguntar para que serve o computador da família hoje.</p>
<p>Foi o que fiz. O computador da família é, hoje, uma espécie de máquina de escrever de luxo. Porque, como manda o roteiro, o computador da família tem que ter uma impressora ao lado. As pessoas redigem alguns documentos simples e imprimem boletos. Até alguns anos atrás, vez ou outra um parente em idade escolar ou em busca de emprego aparecia para fazer uso do Word e da impressora.</p>
<p>O que mais alguém com um celular decente poderia fazer? Às vezes me pego pensando nisso, para que eu usaria um computador se não escrevesse neste blog. Provavelmente nada.</p>
<p>***</p>
<p>O computador da família já foi para a lojinha de informática da cidade algumas vezes e, numa delas, voltou “formatado”, palavra em desuso que significa “apagar a memória e reinstalar um Windows pirata”. No caso, o Windows 10, <a href="https://manualdousuario.net/end-of-10-windows-10-linux/">em vias de ser abandonado pela Microsoft</a> e, naquele caso, já há algumas eras sem receber atualizações de segurança.</p>
<p>Fiz algumas consultas, consegui as autorizações necessárias e fiz o que qualquer pessoa consciente faria: instalei uma distribuição Linux.</p>
<p>Tem o Firefox para acessar a web, o LibreOffice Writer para redigir contratos, currículos e trabalhos escolares e o CUPS, desde sempre ressuscitando impressoras velhas abandonadas à própria sorte pelas fabricantes.</p>
<p>Quanto à distro, optei pelo recém-lançado Debian 13 “Trixie” com o ambiente gráfico do KDE, o Plasma 6.3. Mais que em servidores, é no computador da família que a famosa estabilidade do Debian brilha. Ativei as atualizações automáticas semanais e, com isso, espero passar pelo menos cinco anos sem qualquer susto nessa frente. (E, por óbvio, criei um usuário sem privilégios de administrador para o uso corriqueiro.)</p>